quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Lifting na TI


Andréa Pereira, CIO da indústria de cosméticos Avon, liderou um projeto de transformação na TI que mexeu com processos, pessoas e a governança


POR LUANA PAVANI > FOTOS: ALEXANDRE BATTIBUGLI


Como mudar processos, fazer um update de sistemas e modernizar uma empresa centenária como a Avon? Há pouco mais de um ano, a área de tecnologia da companhia de cosméticos enfrentou essa questão globalmente. O resultado foi um plano de reestruturação que pretende uniformizar a tecnologia em todo o mundo dentro de quatro a cinco anos. No Brasil a missão de redesenhar a TI ficou com Andréa Pereira, diretora de projetos de sistemas da Avon. Uma primeira análise mostrou que a TI local precisava mesmo de uma cirurgia radical para atender às demandas do negócio. Andréa liderou, então, um projeto denominado ITransformation, que mexeu com os processos, as pessoas, a estrutura organizacional e a governança. Andréa falou sobre essas mudanças a Info CORPORATE.


Info CORPORATE> A Avon é uma empresa centenária, que nos últimos anos tem acelerado os lançamentos. Como é a estrutura de TI que sustenta esse processo de inovação?


ANDRÉA PEREIRA> A área de tecnologia está sendo posicionada globalmente como estratégica para viabilizar a inovação. Existe um plano global de update de sistemas, para uniformizar a TI nos próximos quatro a cinco anos.Como a gestão de TI era descentralizada, cada país tinha os seus sistemas, o que diluía os investimentos e acabava gerando retrabalho. Não existe um ERP único, por exemplo. E há equipes dedicadas a pequenas melhorias de sistemas em cada região, o que é um desperdício de dinheiro. O objetivo agora é direcionar o foco para grandes projetos. Bigger and better é o refrão da TI mundial.

IC> Qual o papel do Brasil na TI global?


ANDRÉA> Como o Brasil é o segundo maior mercado do mundo para a Avon, só atrás dos Estados Unidos, e tem grande demanda por inovação, somos vistos com olhos especiais. A TI local é posicionada para desenvolver soluções que sirvam para outrospaíses, dentro de uma metodologia global de projetos. No caminho inverso, se já existe um sistema que atenda às necessidades locais, a gente traz para o Brasil. Há muitos casos de soluções criadas aqui e que foram exportadas.Um exemplo está no supply chain, uma aplicação desenvolvida para o processo de separação de pequenos pedidos em sacolas plásticas, que pelo volume não precisam ser expedidos em caixas. Isso permite maior produtividade na linha. A TI global veio, viu e decidiu que será um sistema global. Está previsto para a América Latina, os Estados Unidos e a Inglaterra. Já para a Ásia enviaremos outra solução recente, implantada em maio no Brasil, que é uma máquina vertical de separação de produtos, ideal para locais com pouco espaço. Fizemos o software da máquina e a integração com o sistema de pedidos.


IC> Sob a nova diretriz mundial, o que vai mudar no Brasil?


ANDRÉA> A própria gestão de TI no Brasil vem passando por uma grande mudança, desde o início de 2006. Primeiro, contratamos a IBM Consulting para entender nossas fraquezas, fortalezas e o que precisa ser melhorado para atingir um patamar de serviços mais estratégico. A IBM nos apresentou quatro dimensões de gaps: tecnologia, pessoas, cultura e organização, e processos. Daí nasceu um grande projeto de mudança, chamado ITransformation, com quatro pilares: organização, processos, pessoas e governança.


IC> Como é a nova estrutura organizacional?


ANDRÉA> A equipe foi dividida em dois grupos, o técnico e o de negócios. O time de Business Solutions age com proatividade em relação aos processos, gerencia projetos e captura os requerimentos de negócios que serão transformados em tecnologia. Para isso, contam com a área mais técnica, chamada Application, Development & Sourcing (ADS). O pessoal de ADS gerencia o desenvolvimento de aplicativos, define se serão feitos com recursos internos ou de outros centros de excelência globais e cuida da estratégia de sourcing. Em resumo, o Business Solution propõe a solução e quem constrói é o ADS, como em uma linha de montagem. As duas áreas fazem a entrega juntas. Há outros dois times, de arquitetura de sistemas e service desk. Já a área de infra-estrutura tem um gerente que se reporta diretamente à matriz, uma vez que o data center do Brasil está entre os maiores do mundo.


IC> O desenvolvimento é interno ou terceirizado?


ANDRÉA> A parte de desenvolvimento de aplicativos está sendo terceirizada. Temos dois parceiros, a Ci&T e a EDS, que está em fase de due dilligence, a ser concluída nos próximos quatro a seis meses. A área de ADS cuida da estratégia de terceirização, faz o gerenciamento dos contratos, acompanha os acordos de nível de serviço (SLA) e dá as diretrizes de arquitetura de sistemas, que são globais.



IC> Quais são os padrões da arquitetura global?


ANDRÉA> Para desenvolvimento de projetos, usamos uma metodologia própria, chamada Solution Delivery Life Cycle. Cada fase de projeto tem um líder e estão especificadas quais ferramentas serão usadas, quem vai participar, o que tem de fazer e que tipo de documento será gerado. As ferramentas padrão são, para gestão de requerimentos de software, o Together (Borland), para testes, o TestDirector (Mercury), e, para controle de versão de aplicativos, o SQM (Software Quality Management), da MKS. Há ainda o Clarity, da CA, para a gestão da performance de TI, com indicadores de processos.

IC> E se a decisão for trocar a ferramenta?


ANDRÉA> Todo projeto tem de seguir esse ciclo. É padrão e não vai mudar. Cada um dos 100 funcionários de TI recebe um book que descreve os processos, seus papéis e responsabilidades.Quem foi para Business Solutions sabe que terá de desenvolver habilidades de comunicação e capacidade de negociação, por exemplo, ao passo que o book de um funcionário de ADS descreve as competências técnicas da função. O pilar de pessoas do projeto ITransformation contou com a ajuda da área de recursos humanos e da empresa especializada em carreira Watson Wyatt. Criamos um plano de carreira diferenciado, cruzando papéis, cargos e processos, que será utilizado globalmente pela TI da Avon.Um Business Solution, por exemplo, tem cinco estágios, de analista júnior até gerente de projetos nível II, e o book dele mostra os níveis de proficiência desejados. Muitas pessoas foram promovidas nesse assessment e outras foram desligadas por não aderir ao plano. Mas todos viram por A + B por que estavam mudando de área. Na verdade, as pessoas já pediam carreira em Y, me falavam: "quero crescer aqui, mas não virar gerente".



IC> Como entra o outsourcing no novo desenho da TI e quais os benefícios esperados?


ANDRÉA> Até o ano passado, terceirização era praticamente body shop. A TI tinha gerências por área de negócio e cada gestor era totalmente responsável por seus projetos. Dentre os terceiros, havia muita gente que não era CLT e pequenas empresas cujo próprio dono trabalhava aqui. Além dos riscos legais para a Avon,pesava sobre os meus funcionários a tarefa de checar se o cara chegou na hora e fez o que deveria. Não havia uma maneira eficaz de medir resultados. Quando se tem tudo dentro de casa é muito fácil pegar um papel de pão e anotar que se quer tal coisa para amanhã. O outsourcing força mais a disciplina e o processo.O contrato é por aplicativo a ser terceirizado e o fornecedor tem de prestar tantas horas de serviço, sofrendo penalidade se não cumprir o combinado ou, se fizer melhor, recebe bônus por isso. Outra questão é a flexibilidade. O parceiro pode movimentar pessoas facilmente para cumprir um número maior de horas contratadas. Antigamente, eu tinha de ficar apertando ou esticando o elástico para conseguir uma pessoa no mercado que pudesse passar seis meses na Avon, por exemplo, e pensar onde ela iria sentar, que micro iria usar.A TI era muito paternalista. Dava mais trabalho administrar a logística dos terceiros do que a execução do projeto em si.



IC> Mas os gerentes não perderam autonomia?


ANDRÉA> Eles têm menos autonomia, porque na nova estrutura o trabalho em matriz se torna mais forte.Por outro lado, cada gestor pode exercer sua especialidade, e minha expectativa é de que ele consiga fazer melhor o trabalho. Na área de Business Solutions, ele pode atender o usuário sem ter de se preocupar com código, por exemplo. No entanto, ele depende agora dos colegas, não só dos subordinados. Por isso, tem de fazer um esforço para exercitar o relacionamento, a negociação e outras habilidades que a matriz exige não só dele, mas de todos.


IC> Como é feita a gestão da demanda?


ANDRÉA> Após ter os processos detalhados, os papéis e as responsabilidades de cada profissional definidos e os contratos de outsourcing fechados, era preciso saber como organizar a demanda. Criamos um comitê de governança de TI que trabalha com representantes das áreas usuárias, que são vendas, marketing, jurídico, RH, finanças e supply chain. Em reuniões mensais são priorizadas as tarefas de TI. Algumas podem ser executadas automaticamente, sem passar pelo comitê, como correção de bugs e ajustes que tomem até 16 horas de trabalho. Já as evoluções de médio porte, entre 16 e 320 horas, e os projetos de TI, que levam mais de 320 horas, são discutidos em conjunto com as áreas de negócio.O comitê também revisa o que a TI fez no mês anterior e determina o que fará no próximo, de forma que cada representante de área saiba quantas horas de projeto tem com a TI e como sua demanda será atendida. O orçamento, de maneira geral, é centralizado na TI.


IC> Como as revendedoras da Avon, que somam 1 milhão no Brasil, interagem com a TI?


ANDRÉA> No site da Avon há portais B2C, para as consumidoras, e B2B, para as revendedoras e suas gerentes de setor. Após o login, as revendedoras colocam na web seus pedidos, que estão integrados com os sistemas de faturamento e de produção. A plataforma do site é Java e o hosting da aplicação fica nos Estados Unidos. Em cerca de 24 horas o pedido sai na esteira. Mas a penetração da internet não é tão alta, em torno de 10%. A maioria dos pedidos ainda ocorre por papel. De toda forma, disponibilidade de sistemas é crucial, não há folga. A cada 13 dias úteis ocorre uma nova campanha de vendas. O sistema não fatura todas as revendedoras no mesmo dia. Há 700 setores de venda no Brasil, divididos por região, com datas diferentes de fechamento. Naquele dia específico, ocorre uma reunião de vendas com a gerente de setor, que coloca os pedidos de suas revendedoras no malote. Um transportador captura o pedido e envia para a sede, em papel. Os pedidos são escaneados com tecnologia ICR (Intelligent Character Recognition), que faz o reconhecimento do texto. Depois, essa informação entra no sistema, segue para processamento e termina com o envio dos produtos para as revendedoras.


OS NÚMEROS DA AVON
1 BILHÃO DE DÓLARES foi o faturamento da Avon no Brasil em 2006
1 MILHÃO É O NÚMERO de revendedoras autônomas que atuam no país
O BRASIL é o segundo maior mercado da Avon em vendas; só perde para os Estados Unidos
A CADA 13 DIAS ÚTEIS, é lançada uma nova campanha de vendas
A EMPRESA tem 120 anos e está há 49 no Brasil