terça-feira, 27 de março de 2007

Por dentro da Apple - Part e 2

A MAIS INOVADORA
Nos últimos anos, motivada em grande medida pelo sucesso do iPod, a percepção de que a Apple é uma companhia extraordinária tornou-se universal. No mais recente levantamento da consultoria Boston Consulting, que ouviu mais de mil empresas em todos os continentes, a Apple foi apontada pela segunda vez consecutiva como a empresa mais inovadora do mundo. Atrás dela estão gigantes como Microsoft, IBM, Sony, Nokia e Samsung, que gastam rios de dinheiro em pesquisa e desenvolvimento. Um levantamento da Booz Allen & Hamilton mostrou que enquanto a Apple aplica 6% do seu faturamento em pesquisa, a média mundial do setor de tecnologia é superior a 7%. Seu investimento de US$ 534 milhões nessa rubrica em 2005 foi apenas uma fração do que as grandes multinacionais de tecnologia costumam gastar. Ainda assim, foi a Apple, não a Microsoft ou a Sony, quem criou o iTunes, o iPod, o iPhone. Suas ações na bolsa americana, em resposta a esses inúmeros sucessos, saltaram de US$ 7 no início de 2003 para US$ 86 no final do ano passado – e US$ 94, após o lançamento do iPhone. Essa trajetória suscita uma questão: como a Apple se tornou a empresa mais inovadora do mundo?

Uma primeira resposta a essas indagações está contida no próprio estudo da Booz Allen: ao aplicar seus recursos em uma lista pequena de projetos com grande potencial, a Apple faz muito mais, com muito menos. “É o processo, não o tamanho do bolso”, reporta a consultoria. Quando se tem em mente que a empresa passou dois anos e meio debruçada sobre o iPhone, emergindo do projeto com um produto revolucionário e 200 novas patentes, é possível ter uma noção exata do que a concentração de esforços significa. Ocorre que o chamado “processo” da Apple não tem paralelo com o de outras empresas, a começar pela template_objetosonipresença de seu fundador e principal executivo. Aos 52 anos, o ex-hippie californiano Steve Paul Jobs é hoje um dos empresários mais influentes e admirados dos Estados Unidos. Suas aparições públicas, invariavelmente trajando jeans e camiseta preta do estilista japonês Issey Miyake, suscitam reações mais próprias a ídolos pop. Há sites na internet dedicados a cultuá-lo. Pelo menos meia dúzia de livros detalham sua biografia e devassam sua complexa personalidade. Os altos e baixos da carreira empresarial de Jobs – empreendedor milionário e namorado de estrelas de cinema aos 22 anos, chutado de sua própria empresa aos 30, quase falido com um novo negócio aos 40 e guru bilionário aos 50 – o tornam uma espécie de símbolo do tonificante capitalismo americano.

Pela força da sua personalidade, pelo vigor de sua inteligência e o peso de sua biografia na indústria de tecnologia, Jobs exerce na Apple uma influência avassaladora. Tanto é assim que, segundo analistas financeiros, sem ele o valor da companhia poderia despencar até 25%. “Como em tudo o mais, seu papel no processo de inovação é fundamental”, disse a Época NEGÓCIOS Larry Keeley, sócio da consultoria Dooblin e professor da disciplina de Inovação na Escola de Design da Universidade de Chicago. No passado, Jobs dirigiu pessoalmente a criação do Apple II e do Macintosh. Agora, gabando-se de que aprendeu a delegar, deve ser o único CEO do mundo que dedica metade do seu tempo a “coisas novas”. Resultado: desde 1997, quando retornou à Apple depois de 12 anos de exílio, imprimiu sua marca em cada um dos aparelhos que saíram da linha de montagem da empresa. Ao fazê-lo, provou que existe segundo ato na vida corporativa americana, ao contrário da maldição do escritor Scott Fitzgerald. Alguns dos produtos posteriores à reencarnação de Jobs tornaram-se clássicos: o coloridíssimo iMac, de 1998, primeiro computador pessoal em duas peças (apenas teclado e monitor), veio à luz a despeito da oposição dos especialistas. “Quando nós levamos o desenho aos engenheiros, eles vieram com 38 razões pelas quais aquilo era impraticável”, conta Jobs. “Eu respondi: não, não, nós vamos fazer assim mesmo. Por quê? Porque eu sou o CEO da empresa e digo que vai ser assim.” Dito e feito: a venda quase instantânea de 600 mil unidades recolocou a Apple na disputa pelo mercado de computadores pessoais.

OS PEDAÇOS DA MAÇA
Onde a Apple obtém suas receitas
(antes do Iphone)

Na hora de modernizar o iMac, em 2003, os designers ofereceram uma maquiagem que Jobs considerou medíocre. Mandou parar tudo, foi embora indignado e, horas depois, convocou à sua casa o desenhista-chefe da empresa, o inglês Jonathan Ive. Ao passear com ele pelas colinas ensolaradas da Califórnia, sugeriu uma meta: “Acho que o novo computador deveria parecer com um girassol”. Quando chegou ao mercado, o iMac tinha uma tela plana, a primeira do gênero, que se equilibrava graciosamente sobre uma haste metálica flexível, como um girassol. Foi outra revolução, ainda que as vendas tenham desapontado.

No caso do iPod, as impressões digitais de Jobs estão por toda a superfície do aparelho. O nome, por exemplo, saiu pronto da cabeça dele. Ou o fato de não haver botão de liga e desliga. Isso foi uma ordem pessoal e desconcertante dada aos projetistas logo no início do projeto. O volume de som, mais alto que o dos demais tocadores de MP3, foi feito para compensar a má audição do CEO da Apple. Também o fato de que o iPod não transfere músicas para o computador – apenas as recebe dele – resulta de uma decisão pessoal de Jobs para tentar evitar a pirataria.

“Ele dá direção geral ao trabalho dos projetistas e, depois, certifica-se pessoalmente de que as coisas estão avançando como deveriam”, afirma Keeley, o especialista em inovação. O olho crítico de Jobs é famoso, assim como seu implacável padrão de exigência e sua intolerância com erros alheios. “Isso está um lixo” é uma frase que se escuta com freqüência na Apple. “Palhaço” é o epíteto que reserva para quem passa abaixo da sua linha de corte. Parece brutal, é brutal, mas não impede que as pessoas venerem Jobs e atribuam a ele parte substancial de seu próprio sucesso profissional. “Com Steve me empurrando, eu consegui coisas que não teria conseguido sozinho”, afirma o engenheiro Jon Rubinstein, ex-vice-presidente de hardware da Apple e um dos líderes do projeto iPod. Ao contrário da teoria moderna sobre criatividade, que advoga uma atmosfera de liberdade sem medo, na Apple o pavor do chefe e a admiração religiosa por ele são fatores de estímulo importantes. “Ele gira as pessoas como um pião e faz com que elas vejam o mundo do jeito dele”, afirma Guy Kawasaki, que está com a Apple desde o projeto Macintosh, nos anos 80. Hoje atua como pregador da tecnologia da empresa. “Jobs pode ser muito hostil ou muito amigável, e ninguém quer ficar do lado errado dessa equação.” Embora importante, esse papel de “monstro visionário” – definição de John Sculley, o executivo que o expulsou da Apple em 1985 – não é o único de Jobs. (Procurado por Época NEGÓCIOS, Sculley recusou-se a falar de Jobs.) Além de moldar os produtos e hipnotizar seus funcionários, ele gravou sua personalidade no DNA da empresa. Emana dele o núcleo dos valores e da cultura da marca, uma das mais fortes do mundo. “Não conheço nenhuma outra companhia que se pareça tanto com seu fundador”, afirma o escritor Steve Levy, repórter de tecnologia da revista Newsweek e interlocutor freqüente do CEO da Apple.


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