terça-feira, 27 de março de 2007

Por dentro da Apple - Parte 1

Steve Jobs, o sujeito aí ao lado com os pés na mesa, comanda uma empresa que em três décadas se transformou em uma lenda. Da linha de montagem da Apple emergiram alguns dos objetos mais admirados da história da tecnologia. A empresa é uma usina de idéias, com invenções que surpreendem a concorrência e arrebatam os consumidores. Funcionam como um farol para a indústria. Apontada como a empresa mais inovadora do mundo, ela é sinônimo de aparelhos revolucionários como o iPod e, recentemente, o iPhone. Qual é, afinal, o segredo da Apple?

Jobs dez anos atrás, na sala
da diretoria da Apple, pouco
depois de retomar o comando
da empresa: o “monstro
visionário” voltou a concentrar
esforços em um número
reduzido de projetos com
grande impacto tecnológico.
Essa fórmula de sucesso
prevalece até hoje

Poucas empresas no mundo conquistaram o direito de chamar a si mesmas de revolucionárias. A Ford é uma delas. Seu fundador, Henry Ford, iniciou em 1908 a produção em série de automóveis. A IBM, que criou os computadores modernos, é outra. Os mainframes mudaram a maneira como empresas e governo trabalham e abriram novos horizontes para a ciência. Os estúdios Disney, com seus desenhos animados, redefiniram a indústria de entretenimento. Mas exemplos como esses são restritos, raros mesmo. A inovação radical, aquela capaz de criar um produto novo e um novo mercado, ocorre apenas de tempos em tempos na história do capitalismo. Mesmo agora, numa era de inovação programada e verbas bilionárias de pesquisa e desenvolvimento, poucas empresas se destacam no mar revolto das novidades. Diante disso, chama a atenção o desempenho de uma companhia instalada em Cupertino, na Califórnia, à margem da Baía de São Francisco. A Apple Inc., que completará 31 anos em abril, já deixou marcas no universo desproporcionais à sua idade e ao seu tamanho como empresa. Ela ocupa apenas a 159a posição na lista das maiores companhias americanas – mas seu currículo como inovadora é impressionante.

Seu mais recente trunfo foi apresentado ao mundo na segunda semana de janeiro, em São Francisco, Califórnia, batizado de iPhone – um charmoso aparelho de bolso com apenas 135 gramas, que contém as tecnologias mais populares do século 21. Com ele na mão, Steve Jobs, o carismático presidente da Apple, conduziu um show de tecnologia como apenas ele é capaz de produzir. Mesmo pressionado pela Justiça americana, que o investiga por irregularidades em operações com ações, Jobs apresentou-se no palco com a desenvoltura e o brilho dos grandes artistas. Alto e magro, envergando a mística de quem sobreviveu a um câncer letal em 2005, ele mais uma vez não desapontou os fanáticos pela Apple que, desde a noite anterior (5ºC em São Francisco), fizeram fila de um quarteirão na porta do Centro de Convenções Moscone para vê-lo. Já chegou avisando a platéia que ali iria se fazer história. Em seguida, fez dobrar de rir a audiência de 4 mil pessoas ao ironizar a rival Microsoft. Depois, arrancou “aaahs” e “ooohs” de espanto ao demonstrar as funções do eclético iPhone. Ao final de uma apresentação de quase duas horas, em que empregou oito vezes o adjetivo “assombroso” e sete vezes “revolucionário”, Jobs, uma espécie de John Lennon dos empresários, fez com que todos se sentissem presentes ao nascimento de uma estrela. “Hoje, a Apple reinventou o telefone”, proclamou.

Jobs no encerramento da palestra
de lançamento do iPhone em São
Francisco, Califórnia, na segunda
semana de janeiro: a foto
projetada no fundo do palco
mostra ele e Wozniac, o outro
Steve, na época da fundação da
Apple, em 1976

IPHONE, UMA RUPTURA

Poderia ser apenas o arroubo de um dos maiores marqueteiros do universo, mas não. O iPhone constitui, de fato, uma ruptura com o passado, na melhor tradição do que a Apple já fez com o Macintosh, em 1984, e com o iPod, em 2001. O aparelho é ao mesmo tempo telefone, tocador de música, navegador de internet e organizador digital. Seu principal atributo, porém, não é o que faz, mas, sim, como faz. É um computador de mão que opera de forma totalmente amigável, como nenhum outro havia conseguido. Com ele, a Apple subverteu o padrão de “telefones inteligentes”, como o BlackBerry e o Treo (um mercado de 6 milhões de unidades vendidas no ano passado, nos EUA), oferecendo um novo paradigma estético e funcional. O iPhone permite bater fotos e enviá-las por e-mail com três ou quatro toques de tela, sem interromper o fluxo de música. Possibilita consultar a internet, trocar e-mails e montar teleconferências com espantosa facilidade. Transita de uma função para outra com naturalidade e elegância. Seu maior avanço é uma nova tecnologia de toque de tela chamada de “multitoque”, que permite mover imagens quase como se elas fossem apanhadas com os dedos. É uma coisa meio mágica, cujo desenvolvimento revela um pouco do processo inovador da Apple. A empresa começou a registrar patentes de telas multitoque em 2004 e, hoje, acumula 73 delas. Não satisfeita, em 2005 comprou em segredo a pequena Fingertouch, pioneira nesse campo, e somou os novos técnicos e seu know-how ao projeto do iPhone. Os blogs especializados juram que Jobs também tentou atrair para a equipe do iPhone um gênio chamado Jeff Han, dono da Perceptive Pixel. No ano passado, Han espantou o mundo da tecnologia com a primeira demonstração pública das possibilidades técnicas das telas multitoques. Quem conhece esse assunto diz que o iPhone é apenas a primeira de uma lista de inovações (da Apple e de outras empresas) baseadas nessas telas hipersensíveis. Supõe-se que elas vão mudar o mundo da tecnologia. Bonito, fácil de usar e inovador, o iPhone encantou o mundo instantaneamente, elevando em 8% as ações da Apple. É um sinal de forte aceitação do produto, que chegará ao varejo americano em junho próximo, com preço mínimo de US$ 499. A Apple prevê vender 10 milhões de unidades até 2008 e repetir com o iPhone a estratégia de oceano azul do iPod: criar um mercado com uma nova categoria de produtos, reduzindo à irrelevância novidades da concorrência. “Nós inovamos como loucos”, disse Jobs. “Fizemos uma revolução de primeira grandeza.”

Não é a primeira vez que a Apple reinventa o mundo da tecnologia. Em 1977, recém-saída da garagem, a empresa lançou o Apple II, primeiro computador pessoal do mundo. Dele descendem, em linha direta, todos os microcomputadores em operação no planeta, cuja população deve chegar a 1 bilhão em 2007. Poucos anos depois, com base numa idéia que dormitava nas gavetas da Xerox, redefiniu o jogo novamente, ao apresentar o Macintosh. Sua forma de operação intuitiva, conhecida como interface gráfica, abriu em 1984 o mundo dos computadores para quem nunca esteve familiarizado com programação. O Windows, da Microsoft, que anima 94% dos PCs usados no mundo, é um bisneto bastardo dessa revolução. Em outubro de 2001, ainda sob a ressaca dos atentados de 11 de setembro, a Apple convocou um grupo de jornalistas para revelar a face do futuro. Ela surgiu na forma de um objeto branco e retangular, do tamanho aproximado de um maço de cigarros mas com metade da sua espessura, que permitia carregar no bolso mil músicas em formato digital. Era o iPod, que já foi definido como o primeiro objeto do século 21: pela exuberante modernidade do seu desenho, pela distância técnica em relação aos demais tocadores de música e por suas tremendas implicações para a indústria da música e do entretenimento. Com ele, a Apple criou não apenas um sucesso comercial – que já vendeu quase 90 milhões de unidades e responde por 48% dos lucros da empresa – mas lançou a pedra fundamental de um inovador modelo de comercialização de conteúdos. Pelo computador, as pessoas compram músicas e seriados de televisão na loja digital da Apple, a iTunes Store, e os levam consigo. No início deste ano, a empresa atingiu a marca de 50 milhões de seriados e 1,5 milhão de filmes baixados da internet, além de 1,5 bilhão de canções.

Nenhum comentário: